Peso ou má gestão do serviço público?

Roberto Camilo

Congresso em Foco | Foto: Augusto Coelho / FENAE

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Já ouviram aquela história de que filho feio não tem pai? Então, a PEC 32/2020, que trata da reforma administrativa é isso. O filho é feio e eles estão procurando alguém para assumir. É mais fácil eleger culpados pela incompetência na gestão do serviço público do que assumir que nenhum governo nos últimos anos se dedicou a entender e planejar. A diferença nesse caso é que além da falta de competência, eles elegeram um culpado e partiram para o ataque. Vamos entender um pouquinho melhor alguns pontos para termos uma análise mais ampla do cenário.

Na área privada, quando falamos em despesas com colaboradores, não existe uma regra, mas sim um bom senso. Dentro desse bom senso, podemos colocar que um ponto ideal seria dedicar 20% das receitas da empresa para folha de pagamento. Atualmente, as despesas com serviço público giram em torno de 10% do PIB, variando um pouco para mais nos últimos anos.

Na gestão convencional, quando as despesas estão altas, você as reduz ou aumenta as receitas. Isso pode acontecer de diversas formas, mas uma das maiores ferramentas seria o ganho de produtividade e medidas fiscais mais efetivas. Inclusive com o cancelamento de benefícios e isenções. Alguns exemplos que podem ser considerados são as isenções de impostos para distribuição de lucros e dividendos, isenção de impostos para barcos e aeronaves particulares, além da perda do caráter progressivo da alíquota do Imposto de Renda com o passar dos anos.

Outro exemplo que sempre cito em rodas de conversa entre empresários se trata da falta de incentivo à formalidade nas contratações de funcionários na área privada. Como resolver problemas de arrecadação e previdência social, se não há benefícios para quem contrata formalmente, concede benefícios que facilitam a vida dos gestores no governo e amenizam as contas públicas?

Uma das formas que trato é relativamente simples, como no caso da saúde. Se eu tenho uma empresa e pago 100% do plano de saúde dos funcionários, porque não me beneficiar em impostos que possuem parte dos recursos para destinação na área da saúde, sendo que eu retiro pessoas da fila do SUS, enviando para tratamento na rede privada?

Outra característica da gestão privada que poderia ser aplicada à gestão pública são as políticas de reposição de cargos e postos de trabalho. Isso, na verdade, seria uma medida simples, como contratar mais onde precisa mais e realocar ou deixar o número de servidores reduzido em áreas que precisam de menos pessoas. Esse efeito funciona em cascata quando mal aplicado e você vai entender o porquê. Por exemplo, se você tem poucos profissionais de saúde, o paciente desiste e não faz o tratamento preventivo por causa da espera.

Logo, ao não ter acompanhamento adequado, ele entra em crise da doença e ocupa os leitos de UTI. Da mesma forma, que em locais que tem menos policiamento do que deveria, o índice de acidentes é maior. Então, você precisa de mais pessoas na área da saúde, transporte de pacientes (Samu) etc. Não executar uma política de reposição correta e baseada em estudos, provoca aumento de gastos na administração pública e ninguém ainda parou para olhar isso da forma que deveria. Falta planejamento e essa culpa não é do servidor público.

Pelos estudos apresentados pelo Banco Mundial, o Brasil possui poucos servidores públicos comparados aos países de primeiro mundo. Veja a tabela da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – de 2015 e entenda um pouco melhor sobre algo que poderá mudar completamente sua visão sobre a quantidade de servidores públicos no Brasil.

 

Estamos na 27º posição de países com maior índice de servidores em relação ao total de trabalhadores no mundo. Temos, proporcionalmente, menos servidores que a África do Sul, por exemplo. Lembrando que nosso país possui dimensão continental, ou seja, quantos policiais e servidores da Receita Federal precisamos para controlar apenas nossas fronteiras?

Se não temos tantos servidores assim, se estamos com a proporcionalidade de cerca de 10% do PIB para salários, onde podemos melhorar? A questão aqui está centrada em altos salários em determinadas carreiras e a má condução de processos internos, como no caso de muitas especializações, que até caíram em desuso com o passar dos anos.

Uma das alternativas seria manter, obviamente, as especializações em casos necessários, mas ter algumas portas de entrada com caráter mais generalista, que possibilitaria a realocação de profissionais para outras áreas em caso de necessidade. Nada contra a profissão de bibliotecário, pelo contrário, mas no último dia 21 de abril deste ano, a prefeitura de Barueri (SP) homologou um concurso na área com salário de R$5.319,56.

Qual a chance de realocação de um profissional desse quando seu trabalho estiver concluído ou a tecnologia permitir outras formas de gestão? Enquanto isso, um professor, também em Barueri, recebe o salário inicial de R$2.977,00 para dar aula em diversas escolas, matérias e para todas as idades.

A PEC 32/2020 tem várias propostas elegendo como culpado o servidor público. Retira direitos, dá margem para contratação de terceirizados e comissionados e nada resolve sobre o desempenho. É um ato político, não de gestão. Se queremos mudar o serviço público do Brasil, precisamos primeiro entender o que está errado e, sinceramente, quem está sentado na cadeira de comando do Ministério da Economia neste momento, mal consegue amarrar os próprios cadarços.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.